NO DIA 2 DE FEVEREIRO, ELE PARTIRÁ MEU CORAÇÃO
Dora não conseguiu dormir, tinha sonhado com ele, um sonho esquisito e inexplicável, ele no sonho nem a olhara nos olhos, tinha ignorado sua presença. Pensou melhor e lembrou-se do seu ar de superioridade como se mandasse em tudo e em todos, aquele na verdade era o seu olhar de sempre,ela pensou:”Ele sempre me ignorou”.
Dora o conheceu em uma roda de samba no Rio Vermelho, ele estava de calça branca e camisa azul, ela no instante que o viu lembrou-se de Iemanjá, sua mãe Odoyá, seu orixá.....”Sempre me proteja minha mãe”, pensou baixinho. Angelo fazia poemas e samba era conhecido por todo o bairro, era figura folclórica, boêmio ficava até altas horas com os amigos bebendo, admirado pelas mulheres, tinha um séquito de seguidoras que o ganhavam como se ele mesmo fosse o próprio troféu, quem ao final da noite agüentava a espera, a maratona de cerveja e samba o levava para seu aconchego.
Um dia Angelo reparou em Dora, não tinha como não reparar em Dora ela era uma morena alta e exuberante como a própria imagem de Iemanjá, sambava direitinho, com as mãos nas cadeiras, ela o admirava mas, nunca pensou que haveria uma chance. Ele se aproximou sambando e os dois sambaram a noite inteirinha. No final ela o levou para sua casa e em meio a suor e hálito de cerveja fizeram amor. Cambalearam, tremeram sussurraram e adormeceram no cansaço de seus corpos.
Dora acordou apaixonada, mas sabia que não poderia desejar se envolver mais do que haviam se envolvido, Angelo não era de ninguém cantava isso aos quatro ventos, ao mesmo tempo que não era de ninguém era de todas. Dora sabia que era uma questão de tempo para que ela se magoasse. Mas ao invés disso Angelo a desejava cada vez mais, sempre a procurava e perguntava por ela quando ela não aparecia para sambar. Dora segurava o ímpeto de seus sentimentos, sabia que não poderia prender ele, sabia que ele gostava dela mas não a amava, ela simplesmente se contentava com o fato de ele a desejar como mulher.
Um dia lhe contaram que ele tinha mulher e que ela estava grávida, Dora pensou que era o fim, mas pensou se ela não falasse nada para ele nada iria mudar, teve medo que ele descobrisse que ela sabia e nunca mais iria procurá-la. Teve um profundo medo de perde-lo, não conseguia nem pensar nisso, arrumou-se e foi com a sua melhor roupa sambar, ele a olhou a noite inteira ao mesmo tempo que se embriagava, ela voltou para casa sozinha mas no seu íntimo sabia que ela bateria em sua porta. Quando isso aconteceu em uma manhã de uma quarta-feira , ela abriu a porta , ele estava lá encharcado de suor, ele levantou os olhos e ela o abraçou levou para cama e o devorou com toda sua sede e alentou todo seu medo sufocando-o de beijos. Para ela aquele foi o melhor dia.
Muitos outros dias vieram muitos outros sambas, ele desapareceu por um tempo, ela pensou que talvez ele sumisse para sempre e assim seu coração pudesse se libertar. Mas ele sempre voltava, agora quando ela já não mais o esperava. Tentava depreciar o samba de Angelo e seus poemas, pensava afinal para quem ele canta? Não é para mim, seu samba e seus poemas tem dor, por quem ele sofre?
O meu homem não é nem sombra deste samba que eu ouço, pensou.Porque ele afinal nunca escreveu para mim? Nunca nem sequer declamou um poema, pensou até se ele realmente sabia escrever. Pensou na sua mulher e em seu filho, como seria com eles? Lembrou-se do dia na Avenida Sete em que os avistou, ela andava atrás dele, ele a passos largos cumprimentava a todos, ela teve a intenção de segurar a mão dele e no instante que conseguiu ele a largou, largou a mão da sua própria mulher, não conseguia nem andar de mãos dadas com a sua própria mulher! Dora teve compaixão pela mulher dele, pensou que ainda bem não era ela em seu lugar, pensou o que esperar de um homem que não dá a mão para a sua própria mulher?
Naquele dia Dora comprou umas rosas brancas, foi a beira do mar e pediu que Iemanjá tirasse ele de seu pensamento, que o levasse como as ondas levam, pediu que tirasse todo aquele ardor que Angelo provocava em seu corpo.
Por ironia foi naquele dia que Angelo reapareceu, estava diferente trazia flores, e disse que a desejava como sempre desejou, falou que não podia ficar sem ela, Angelo confessou que tinha uma família mas, que nunca pretendeu magoá-la, que se pudesse ela seria dona de seu coração, falou que cada vez que a via se apaixonava mais por ela. Dora pensou que amor ainda não tinha feito parte dessa história.
Ela sentiu todos os sentimentos por ele retornarem como uma imensidão de mar, sentiu calafrios, pensou nele horas a fio, imaginou se realmente poderia dar certo. Depois se deprimiu, havia mais de 1 ano que ele fazia parte de sua vida, era um futuro nebuloso, ela não enxergava ele na sua vida, conhecendo-o saberia que ele nunca a amaria, não queria caminhar atrás não queria ser aquela a ser ignorada com a mão largada no ar, um pequeno adereço. Pensou que na verdade ela não sabia nada da vida dele a não ser conjecturas com os retalhos de informações que sabia, era tarde demais estava amando-o novamente e de novo e como sempre.
Ele nem fazia idéia do quanto ela o amava, amava seu corpo, seus dentes, sua música, seu falo, seus poemas seu sofrimento e sua sensibilidade que ele mostrava para todo mundo menos para ela.
De novo Dora voltou ao mar e pediu o único jeito que ela poderia esquecê-lo. Pediu de novo a Iemanjá, mas dessa vez ela pediu que ele a magoasse, queria sofrer e enterrar ele no seu pensamento e consigo todas as suas ilusões, prefiria sofrer, mas precisava sentir ódio dele, precisava enxergar ele como um canalha, ela não o conseguia vê-lo assim ela o via como uma pessoa frágil apesar de ser uma pessoa muitas vezes embotada, não sorria, não parecia feliz, porque ela o amava tanto?
Do dia em que atirou as flores no mar e se banhou com lavanda Dora pediu que melhor dia para ele fazer isso seria ali, no largo na Fonte do Boi que ele enfim partiria seu coração para ela nunca mais então o amar , em seu dia mãe Odoyá, minha mãe Iemanjá no dia 2 de fevereiro, lá vestida de branco com uma fita azul: “É lá que ele partirá meu coração”.